Amar não é suportar tudo. Aguentar qualquer
coisa. Não é porque você ama que o amor se faz
sozinho. Não é porque você conquistou quem desejava que
deve relaxar.
Não é porque alcançou a independência
financeira que já tem autonomia afetiva.
Quando chega em casa do trabalho, depois de
oito horas de incômodo, da chuva de cobranças e prazos, cansado, estressado,
faminto, não adianta afundar no sofá, esticar as pernas, esquentar algo e se
apagar.
Não terá direito à solidão e ficar em paz. Não
terá direito a não conversar. Não terá direito a não ser afetuoso. Não terá
direito a assistir televisão sem ninguém por perto.
Se pretende se isolar, não ouse casar, não
procure dividir o tempo e o abajur.
Quando regressa do serviço, acabou a vida
profissional, porém começa a vida pessoal. E do zero.
Sua mulher não tem que tolerar seu
desaparecimento, sua anulação, sua desistência pelos corredores.
Ela quer senti-lo, entendê-lo,
percebê-lo.
A noite é manhã para o amor.
Quando retorna da rua, agora é o instante de
trabalhar o relacionamento.
Da mesma forma em que seria demitido se
ofendesse um colega, não desfruta de espaço para agressão e gritos. É a esfera
da delicadeza, das pontas dos dedos no rosto, de emoldurar a confiança.
Controle-se, comporte-se, cuidado com o que
diz, não se entregue ao cansaço.
Sua esposa nada tem a ver com aquilo que
cumpriu à luz do sol. Não conta pontos sua dedicação no escritório.
É um novo turno, sem antecedentes, sem
pré-história.
É a primeira vez durante o dia que trocará
assunto com ela (que seja separando as melhores peripécias). É a primeira vez
durante o dia que se dedicará a ouvi-la (que decore a intensidade das palavras).
É a primeira vez durante o dia que passará as mãos em seus cabelos (que seja
mais generoso do que a escova). É a primeira vez durante o dia que beijará sua
boca (que seja com calma da janela). É a primeira vez durante o dia que presta
atenção no que ela veste e como se veste (que seja com atenção de
alfaiate).
Não há como trapacear. Não há como despistar,
postergar para o final de semana.
É só você e ela.
Tome guaraná cerebral, emborque litros de café,
triture amendoim com os dentes. Mas se mantenha acordado. Não se ganha um
casamento empatando.
É o período de oferecer atenção integral - ela
espera que confirme os motivos para estarem juntos.
Por mais absurdo que soe, assim que pousa sua
pasta no chão da residência, inicia o expediente amoroso - todos que amam têm
dupla jornada.
É acolher as dúvidas, abraçar demorado,
preparar a janta, perguntar sobre os amigos, valorizar os apelidos, deitar
próximo, não se distanciar do campo elétrico da pele.
Amar é muito mais grave do que uma profissão.
Muito mais complicado. Não tem aposentadoria.
Muito mais complicado. Não tem aposentadoria.
(Fabrício Carpinejar)