terça-feira, 21 de maio de 2013

Depois do trabalho, ainda falta trabalhar a relação


Amar não é suportar tudo. Aguentar qualquer coisa. Não é porque você ama que o amor se faz sozinho. Não é porque você conquistou quem desejava que deve relaxar.
Não é porque alcançou a independência financeira que já tem autonomia afetiva.
Quando chega em casa do trabalho, depois de oito horas de incômodo, da chuva de cobranças e prazos, cansado, estressado, faminto, não adianta afundar no sofá, esticar as pernas, esquentar algo e se apagar.
Não terá direito à solidão e ficar em paz. Não terá direito a não conversar. Não terá direito a não ser afetuoso. Não terá direito a assistir televisão sem ninguém por perto.
Se pretende se isolar, não ouse casar, não procure dividir o tempo e o abajur.
Quando regressa do serviço, acabou a vida profissional, porém começa a vida pessoal. E do zero.
Sua mulher não tem que tolerar seu desaparecimento, sua anulação, sua desistência pelos corredores.
Ela quer senti-lo, entendê-lo, percebê-lo.
A noite é manhã para o amor.
Quando retorna da rua, agora é o instante de trabalhar o relacionamento.
Da mesma forma em que seria demitido se ofendesse um colega, não desfruta de espaço para agressão e gritos. É a esfera da delicadeza, das pontas dos dedos no rosto, de emoldurar a confiança.
Controle-se, comporte-se, cuidado com o que diz, não se entregue ao cansaço.
Sua esposa nada tem a ver com aquilo que cumpriu à luz do sol. Não conta pontos sua dedicação no escritório.
É um novo turno, sem antecedentes, sem pré-história.
É a primeira vez durante o dia que trocará assunto com ela (que seja separando as melhores peripécias). É a primeira vez durante o dia que se dedicará a ouvi-la (que decore a intensidade das palavras). É a primeira vez durante o dia que passará as mãos em seus cabelos (que seja mais generoso do que a escova). É a primeira vez durante o dia que beijará sua boca (que seja com calma da janela). É a primeira vez durante o dia que presta atenção no que ela veste e como se veste (que seja com atenção de alfaiate).
Não há como trapacear. Não há como despistar, postergar para o final de semana.
É só você e ela.
Tome guaraná cerebral, emborque litros de café, triture amendoim com os dentes. Mas se mantenha acordado. Não se ganha um casamento empatando.
É o período de oferecer atenção integral - ela espera que confirme os motivos para estarem juntos.
Por mais absurdo que soe, assim que pousa sua pasta no chão da residência, inicia o expediente amoroso - todos que amam têm dupla jornada.
É acolher as dúvidas, abraçar demorado, preparar a janta, perguntar sobre os amigos, valorizar os apelidos, deitar próximo, não se distanciar do campo elétrico da pele.
Amar é muito mais grave do que uma profissão.
Muito mais complicado. Não tem aposentadoria.
(Fabrício Carpinejar)




terça-feira, 14 de maio de 2013

Dieta para o olho gordo

Meu pai me alertou hoje de manhã:
- Filho, não fique dizendo que está feliz, não mostre sua namorada, não mostre seu sucesso, olha o olho gordo!
Assim não descrevemos nossa alegria por medo da inveja.
Não apresentamos quem a gente ama, não contamos os nossos melhores momentos, por medo da inveja.
Não nos declaramos aos amigos, para a família, não ficamos rindo à toa por medo da inveja.
Não falamos que transamos a noite inteira por medo da inveja.
Não espalhamos as boas notícias de nossa vida por medo da inveja.
Não contamos sobre uma promoção aos colegas por medo da inveja.
Não exibimos roupas e móveis novos por medo da inveja.
Por medo da inveja, a gente se esconde e se protege.
Por quê?
Por que temos que guardar o que é mais precioso e revelar o que não tem valor?
Para ninguém roubar nossos sentimentos?
Não está errado deixar de viver pela inveja?
A tristeza a gente faz questão de expor. Já disfarçamos o contentamento para não esnobar.
Pode me invejar. A inveja envelhece.
(Fabrício Carpinejar)

domingo, 12 de maio de 2013

Se sua mãe conta a mesma história, não é esquecimento, é orgulho de viver.
Se sua mãe conta a mesma história, não é que ela está velha, é que você ainda não entendeu a mensagem.
Se sua mãe conta a mesma história, não custa ouvir de novo. Afinal, quando criança você sempre pedia para ela repetir a leitura dos livros.
Não vou oferecer um par de brincos para minha mãe, vou oferecer meu par de ouvidos.
(Fabrício Carpinejar)

quarta-feira, 8 de maio de 2013



Ao invés de espalhar fofoca, maldade e intriga, vamos espalhar amor. Pequenos momentos bons. Pequenos prazeres. Pequenos olhares amigos. Pequenos trechos de livros. Pequenas palavras verdadeiras. E pequenos gestos.
(Tudo isso parece pouco, mas o pequeno vira GRANDE num instante, basta a gente querer.)
Tem tanta gente com o coração endurecido, emoções rasgadas e sentimentos torcidos neste mundo. Ao invés de espalharem e buscarem amor, distribuem socos, gritos, pontapés e palavras duras. Tudo isso pra quê? Pra tentar esquecer um pouco a dor que alfineta e lateja por dentro? Ei, meu amigo, isso não traz aquela serenidade boa quando a gente deita a cabeça no travesseiro antes de dormir. Pelo contrário: só traz pesadelos.
Você não precisa me encher de elogios, aplaudir ou sorrir quando cruzo seu caminho. Apenas seja educado, respeite meu espaço e meu limite, assim como respeito o seu. Pequenos goles de civilidade sempre caem bem.
A base de tudo é a educação. No nosso país, infelizmente, essa base não é sólida. E o pior é que ninguém toma uma atitude para que isso mude tanto em casa quanto nas escolas. E assim vai crescendo o número de crianças, adolescentes e adultos sem um pingo de educação e noção de certo e errado.
Não sei por qual motivo ainda me choco com o pensamento de algumas pessoas. É tão fácil reclamar do outro, ofender, apontar erros e se queixar. Difícil mesmo é tentar se colocar no lugar e pensar ei, se eu estivesse vivendo o que ele vive eu gostaria de ser tratado de tal forma? Enquanto o ser humano não aprender a ser menos egoísta e hedonista o mundo não vai mudar. (Clarissa Corrêa)

Quando a amizade é para sempre

 
Nunca determino a origem das amizades. Os melhores amigos parecem que estão comigo a vida inteira.
Não guardamos o aniversário de encontro. Não faremos bodas de ouro, nem cobraremos presentes ou lamentaremos injustiça por lapsos.
Não decoramos a data do primeiro abraço, do primeiro riso, do primeiro porre.
A amizade tem uma memória alforriada. Diferente do amor, onde tudo gira em torno de estreias e contagens comemorativas, do namoro ao casamento.
Casal que não recorda do início acelera seu final. Já o amigo não tem tabuada e nascimento, é a benção da tranquilidade. Jamais telefona para recriminar, ou cruza informações para testar o nosso amor.
Apesar do despojamento, conquistar uma amizade não é fácil. Passa a existir de verdade num momento específico. Antes, despontava como esperança de cumplicidade.
O amigo se realiza quando não nos abandona no perigo e na dificuldade. Quando ele demonstra a mesma lealdade da alegria durante a tristeza.
Atravessaremos um portal para consolidar a afinidade, compactuar o sangue, justificar o cuidado. Daquele instante em diante, nada mais será necessário provar.
É uma manifestação de absoluta sinceridade que alçará o amigo a partilhar o resto de nossos dias.
Não teremos mais como quebrar os laços e desfazer o companheirismo.
Mário Corso é um dos meus escudeiros prediletos. Desde a infância.
Somos unha e carne, mafiosos, inseparáveis. Desde uma tardezinha de novembro de 1979.
Um por todos, todos por um.
Não lembro quando começamos a nos falar, mas conservo a visão nítida de quando começamos a nos admirar.
Na infância, nosso hobby principal consistia em pular muros e portões e roubar frutas no bairro.
Eu participava da turma mais velha, espécie de nanico, de anão de jardim, de mascote dos guris mais velhos da quarta série. Recrutado como mão mecânica para colher os galhos mais longínquos (qualquer bando que se prezava admitia uma criança em seus quadros de molecagem para trabalhos especiais, devido ao tamanho e leveza).
Quando invadimos a casa da madre superiora do Colégio Santa Inês, para desfalcar as tangerinas do seu quintal, ela me apanhou de surpresa na árvore. A desgraçada me puxou para dentro da casa pela janela. Fui sugado pelas suas mãos frias e raivosas.
Para quê? Meus colegas desapareceram em segundos. Ao me flagrar preso, escaparam rapidamente.
Eu tremia, chorava, não raciocinava, imaginava castigo na escola, repreensão familiar, humilhação na igreja.
Antevia que iria apanhar de palmatória.
Fechei os olhos ao pior.
Na hora em que a madre veio puxar minhas orelhas, a campainha tocou.
Era Mário Corso, meu amigo ruivo.
Ele retornou da deserção, não suportou me largar sozinho.
— O que quer, menino? — ela gritou.
Ele colocou inocentemente seu cabelo suado para o lado direito e respondeu:
— Estamos juntos!
Essas duas palavras soldaram nossa amizade para sempre. Não há quem possa estragar.
(Fabrício Carpinejar)

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Meus erros

Nem sempre eu sei pedir desculpas. É que tenho um lado orgulhoso que me enreda e me deixa meio atrapalhada. Nem sempre sei dizer as coisas certas. É que às vezes fico paralisada e com medo de colocar tudo a perder. Logo eu, que gosto tanto de ganhar. Nem sempre sei ser adulta. É que, como eu já disse, não sei perder. Quero tudo para agora, pois daqui a cinco minutos não sei para onde a vida vai nos levar. E isso me assusta.
Sei que nem tudo pode ser do meu jeito, mas insisto em não aceitar as coisas. É claro que existem muitas formas certas, mas sempre acho que a minha é melhor e isso me desgasta. Deveria aceitar as pessoas como elas são, mas sempre espero demais, tenho expectativas, tenho aquela esperança boba de que algo mude com meu toque mágico. Mas não tiro coelho da cartola, pois nem cartola tenho.
Preciso parar de querer que tudo seja como eu quero. Frase estranha, eu sei. Mas vivo querendo que tudo seja como eu imaginei e as situações muitas vezes me dão rasteira, me estatelo no chão e fico sem saber o que fazer com meus pedaços feridos.
Esperar não é pra mim. Se eu preciso de uma coisa é para agora, não adianta ser depois. E se você não entende isso, tudo bem, deixa que eu faço e depois jogo na sua cara que fiz. É que tenho essa mania feia de jogar na cara do outro.
Ninguém é massinha de modelar. Não posso te amassar, te moldar, te arrumar da forma que quero. Você é como é, eu sou como sou e podemos nos aceitar assim ou não. A escolha é só nossa. O problema é que sempre achamos que podemos tudo, mas não podemos nada. As coisas são dessa forma, você aceita se quer. Uma pessoa só muda se quer, se tem vontade, se faz esforço. Eu não tenho poderes para mudar ninguém, mal consigo ajustar o que anda desajustado em mim. O dia que todo mundo entender isso vai ser mais fácil viver a dois, a três, a quatro, a mil.
(Clarissa Corrêa)