Nunca determino a origem das amizades. Os
melhores amigos parecem que estão comigo a vida inteira.
Não guardamos o aniversário de encontro. Não
faremos bodas de ouro, nem cobraremos presentes ou lamentaremos injustiça por
lapsos.
Não decoramos a data do primeiro abraço, do
primeiro riso, do primeiro porre.
A amizade tem uma memória alforriada. Diferente
do amor, onde tudo gira em torno de estreias e contagens comemorativas, do
namoro ao casamento.
Casal que não recorda do início acelera seu
final. Já o amigo não tem tabuada e nascimento, é a benção da tranquilidade.
Jamais telefona para recriminar, ou cruza informações para testar o nosso
amor.
Apesar do despojamento, conquistar uma amizade
não é fácil. Passa a existir de verdade num momento específico. Antes,
despontava como esperança de cumplicidade.
O amigo se realiza quando não nos abandona no
perigo e na dificuldade. Quando ele demonstra a mesma lealdade da alegria
durante a tristeza.
Atravessaremos um portal para consolidar a
afinidade, compactuar o sangue, justificar o cuidado. Daquele instante em
diante, nada mais será necessário provar.
É uma manifestação de absoluta sinceridade que
alçará o amigo a partilhar o resto de nossos dias.
Não teremos mais como quebrar os laços e
desfazer o companheirismo.
Mário Corso é um dos meus escudeiros
prediletos. Desde a infância.
Somos unha e carne, mafiosos, inseparáveis.
Desde uma tardezinha de novembro de 1979.
Um por todos, todos por um.
Não lembro quando começamos a nos falar, mas
conservo a visão nítida de quando começamos a nos admirar.
Na infância, nosso hobby principal consistia em
pular muros e portões e roubar frutas no bairro.
Eu participava da turma mais velha, espécie de
nanico, de anão de jardim, de mascote dos guris mais velhos da quarta série.
Recrutado como mão mecânica para colher os galhos mais longínquos (qualquer
bando que se prezava admitia uma criança em seus quadros de molecagem para
trabalhos especiais, devido ao tamanho e leveza).
Quando invadimos a casa da madre superiora do
Colégio Santa Inês, para desfalcar as tangerinas do seu quintal, ela me apanhou
de surpresa na árvore. A desgraçada me puxou para dentro da casa pela janela.
Fui sugado pelas suas mãos frias e raivosas.
Para quê? Meus colegas desapareceram em
segundos. Ao me flagrar preso, escaparam rapidamente.
Eu tremia, chorava, não raciocinava, imaginava
castigo na escola, repreensão familiar, humilhação na igreja.
Antevia que iria apanhar de palmatória.
Fechei os olhos ao pior.
Na hora em que a madre veio puxar minhas
orelhas, a campainha tocou.
Era Mário Corso, meu amigo ruivo.
Ele retornou da deserção, não suportou me
largar sozinho.
— O que quer, menino? — ela gritou.
Ele colocou inocentemente seu cabelo suado para
o lado direito e respondeu:
— Estamos juntos!
Essas duas palavras soldaram nossa amizade para
sempre. Não há quem possa estragar.
(Fabrício Carpinejar)
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