segunda-feira, 17 de junho de 2013

OBRIGADO, AMOR, HOJE SEI QUE NÃO PRECISA AGRADECER

Estamos morando juntos. Eu vivo agora a vida que gostaria que fosse eternidade.
Posso chamá-la de minha mulher. Pode me chamar de seu homem.
Você me procura na cama com os braços, eu lhe procuro com as pernas.
Você arruma as roupas quando fica braba. Eu bagunço quando fico triste.
Eu sinto ciúme de suas viagens passadas, você sente ciúme de minhas residências anteriores.
Você acorda rindo, eu durmo rindo.
Tem dias que você não encontra nenhum de seus elásticos para prender os cabelos, tem dias que não encontro nenhum de meus lápis para sublinhar os textos.
Você toma um copo de água ao despertar, eu tomo café.
Você usa o almoço para resolver pendências, eu uso o intervalo para fazer dívidas.
Você trabalha dez horas sem parar, eu vadio palavras.
Você lê um livro de cada vez, eu abandono vários ao mesmo tempo.
Você morde as cutículas quando crescem, eu coço a barba quando embranquece nas pontas.
Você me convida para ver um filme na sala e adormeço antes do final. Eu conto uma história na hora de deitar e você adormece antes do final.
Você se acalma com a massagem nas mãos, eu me acalmo com abraços.
Você se alegra com um elogio, eu me encabulo.
Eu me alegro com um presente, você se encabula.
Estamos encaixados um no outro, independentes dentro da maior falta. Nossas diferenças nos aproximam.
Minha saudade de você é maior do que minha saudade de mim.
Minha saudade de mim é somente quando estou com você.
Estamos dividindo a casa. A gente passa do horário e depois reclama que não é final de semana.
Somos tão felizes que não resta corredor entre as nossas frases.
Você me adivinha, eu lhe provoco.
Você está um passo a frente de mim, eu estou um passo atrás de você.
A sala é quarto, a cozinha é quarto, o escritório é quarto, o quarto é o quarto dos quartos.
Você abre bolachas antes da janta, e não perde a fome. Eu fecho os pacotes com prendedor.
Você prova uma loja inteira em vinte minutos, e me manda fotos para opinar. Eu escolho roupas com seus olhos emprestados.
Você me convence, eu insisto, ambos estão errados querendo acertar.
Você me descreve o passado, eu reescrevo o passado.
Você avisa que vai chorar, minha asma não avisa nada.
Nosso amor é se fazer entender sem perder os mistérios.
Nosso amor nasceu póstumo.
Nosso amor é antigo e novo ao mesmo tempo, é ancestral e recente ao mesmo tempo, é previsível e inédito ao mesmo tempo.
Você me explicou que não existe mais surpresa entre nós, mas decisões.
Surpresa é quando um decide sozinho. Amor é quando os dois decidem juntos. E não há maior surpresa do que decidir junto.
Estamos morando mais do que no mesmo endereço: estamos morando no mesmo sentido, Juliana.
Casa comigo sempre, casa comigo sem parar, casa comigo até depois de mim?
(Fabrício Carpinejar)

quinta-feira, 6 de junho de 2013

Não canse quem te quer bem

“Foi durante o programa Saia Justa que a atriz Camila Morgado, discutindo sobre a chatice dos outros (e a nossa própria), lançou a frase: “Não canse quem te quer bem”. Diz ela que ouviu isso em algum lugar, mas enquanto não consegue lembrar a fonte, dou a ela a posse provisória desse achado.
Não canse quem te quer bem. Ah, se conseguíssemos manter sob controle nosso ímpeto de apoquentar. Mas não. Uns mais, outros menos, todos passam do limite na arte de encher os tubos. Ou contando uma história que não acaba nunca, ou pior: contando uma história que não acaba nunca cujos protagonistas ninguém jamais ouviu falar. Deveria ser crime inafiançável ficar contando longos casos sobre gente que não conhecemos e por quem não temos o menor interesse. Se for história de doença, então, cadeira elétrica.
Não canse quem te quer bem. Evite repetir sempre a mesma queixa. Desabafar com amigos, ok. Pedir conselho, ok também, é uma demonstração de carinho e confiança. Agora, ficar anos alugando os ouvidos alheios com as mesmas reclamações, dá licença. Troque o disco. Seus amigos gostam tanto de você, merecem saber que você é capaz de diversificar suas lamúrias.
Não canse quem te quer bem. Garçons foram treinados para te querer bem. Então não peça para trocar todos os ingredientes do risoto que você solicitou – escolha uma pizza e fim.
Seu namorado te quer muito bem. Não o obrigue a esperar pelos 20 vestidos que você vai experimentar antes de sair – pense antes no que vai usar. E discutir a relação, só uma vez por ano, se não houver outra saída.
Sua namorada também te quer muito bem. Não a amole pedindo para ela explicar de onde conhece aquele rapaz que cumprimentou na saída do cinema. Ciúme toda hora, por qualquer bobagem, é esgotante.
Não canse quem te quer bem. Não peça dinheiro emprestado pra quem vai ficar constrangido em negar. Não exija uma dedicatória especial só porque você é parente do autor do livro. E não exagere ao mostrar fotografias. Se o local que você visitou é realmente incrível, mostre três, quatro no máximo. Na verdade, fotografia a gente só mostra pra mãe e para aqueles que também aparecem na foto.
Não canse quem te quer bem. Não faça seus filhos demonstrarem dotes artísticos (cantar, dançar, tocar violão) na frente das visitas. Por amor a eles e pelas visitas.
Implicâncias quase sempre são demonstrações de afeto. Você não implica com quem te esnoba, apenas com quem possui laços fraternos. Se um amigo é barrigudo, será sobre a barriga dele que faremos piada. Se temos uma amiga que sempre chega atrasada, o atraso dela será brindado com sarcasmo. Se nosso filho é cabeludo, “quando é que tu vai cortar esse cabelo, garoto?” será a pergunta que faremos de segunda a domingo. Implicar é uma maneira de confirmar a intimidade. Mas os íntimos poderiam se elogiar, pra variar.
Não canse quem te quer bem. Se não consegue resistir a dar uma chateada, seja mala com pessoas que não te conhecem. Só esses poderão se afastar, cortar o assunto, te dar um chega pra lá. Quem te quer bem vai te ouvir até o fim e ainda vai fazer de conta que está se divertindo. Coitado. Prive-o desse infortúnio. Ele não tem culpa de gostar de você.”
(Martha Medeiros)