sexta-feira, 20 de julho de 2012

Senta aqui, vamos conversar bem pertinho. É, eu ando meio carente, então vem aqui e segura a minha mão. Preciso desabafar, te contar algumas angústias, aflições, dividir as coisas. pode ser? Não vou me estender muito, sei que você é ocupado. Além disso, é sexta-feira. Quem quer ouvir lamúrias em plena sexta? Eu entendo. Se fosse mais tarde, entre um gole e outro de bebida forte, a gente podia sentar na sarjeta, reclamar da vida, arrotar baixinho e comer cachorro-quente da esquina. Mas é dia. É dia e as pessoas têm pressa. Vem, não vou tomar muito do seu tempo.
 
Uma vez eu achei que todo mundo era meu amigo, sabe? E sofri, como eu sofri. As coisas começaram lá atrás, quando eu ainda era pequena. Todo mundo implicava com uma menina da sala. Resolvi defender, enfrentei todos, entende? Todos. E o povo acabou ficando amigo e eu acabei me sentindo quase uma heroína. Depois, na quinta série, eu arrumei uma briga feia com as meninas da sala. O motivo? Não lembro. Sei que todo mundo ficou de mal comigo. Se fosse hoje, seria bullying, mas foi há anos, então naquele tempo era “todo mundo ficou de mal comigo”. Eu sentava sozinha na hora do recreio. E às vezes eu chorava no banheiro. É que uma das meninas era pop, ela fez a cabeça de todo mundo. E naquele tempo ser Maria Vai Com As Outras era o mesmo que usar sneakers hoje em dia. Tradução: todo mundo fazia parte do clube. Pouco tempo depois, uma das meninas brigou com a outra, me pediu desculpa e tudo quase voltou a ser como era. Quase. Porque entendi o que é ser um amigo. E o que é não ter um amigo. Ela voltou a ser minha amiga. Eu voltei a ser conhecida dela. E a partir daí comecei a classificar algumas coisas no meu caderno imaginário de capa de veludo rosa bebê.

Na faculdade, conheci muita gente. Alguns ficaram mais próximos, outros não. Com alguns eu saía, tomava cerveja, comia bauru. Com outros, eu estudava, ia até a biblioteca, tomava cafezinho na hora do intervalo. E com outros eu pegava carona. E com outros eu desabafava. Na hora do intervalo, a moçada fala da vida. O que jantou ontem, quando marcou hora no salão para cortar a franja, a sessão de terapia que foi libertadora, a briga com o Carlinhos, a mãe que vai se separar do pai. São amigos de ocasião. Naquele momento, são seus amigos. Naquele momento, você conta com eles. Naquele momento, vocês trocam confidências. Naquele momento, frequentam a casa um do outro. E depois cada um segue a sua vida, sem briga, sem mágoa, sem nada, apenas com o distanciamento natural da vida.
Muita gente passa e vai passar pela minha vida. E pouca gente vai ficar. Quer saber? Não me sinto mal com isso, não. Tenho amigos de infância. Tenho amigos de faculdade. Tenho amigos dos tempos de escola. Tenho amigos das agências em que trabalhei. Tenho amigos virtuais. Tenho amigos no salão de beleza. Tenho amigos no meu prédio. Nossa, como eu tenho amigos, certo? Errado. Muito errado.
Eu sei, sei que é bem melhor dizer fulano-é-meu-amigo do que fulano-é-meu-conhecido. Também sei que é um saco ter que batizar tudo a toda hora. Mas amigo é amigo, conhecido é conhecido. De vez em quando a gente troca as bolas e se estrepa lá na frente. Então vamos reformular as coisas: existem algumas pessoas que você jura que são amigas. Porque você convivem muito com você. Porque te entendem. Porque conhecem todos os seus sorrisos. Porque têm intimidade com sua família. Porque já estiveram junto com você nas horas difíceis. Porque são boas companhias. Porque fazem um cosmopolitan maravilhoso. Essas pessoas podem ser conhecidas. Ou amigas de ocasião. Como assim? São aquelas pessoas que você conheceu no trabalho, na academia, pela vida afora. Gente bacana, do bem, que é legal ter perto. Gente que te diverte, te alegra. Gente que sai com você pra jantar, beber, jogar carta, assistir filme, viajar. Gente que você curte bater um papo mais cabeça, mais profundo. Gente que você conta um pouco da sua vida. Gente que você quase confia totalmente.
Quase. É porque amigo mesmo faz tudo isso. E ainda dá três pulinhos quando um sonho seu se realiza. E ainda vibra por você a cada coisa bacana que te acontece. E ainda respeita o teu espaço. E ainda entende que para ser amigo não precisa estar colado com fita dupla face. E ainda não sente a menor inveja de você.

Entendeu? Agora conte nos dedos de uma mão quem restou. Esses são amigos. O resto é conhecido. E fim de papo.
(Clarissa Corrêa)

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