"Se alguém te perguntar o que quiseste dizer com um poema, pergunta-lhe o que Deus quis dizer com este mundo..." (Mario Quintana)
terça-feira, 3 de setembro de 2013
Você conhece a fidelidade exibicionista,
performática? A fidelidade do cachorrão? Vou explicar.
Ele recebe um e-mail de uma conhecida e mostra
para a namorada: – Viu como ela está me cantando? Olha o que vou
responder...
Ele recebe uma ligação de uma amiga e conta
para a namorada: – Viu como ela está me cantando? Olha o que respondi...
Ele recebe uma cutucada no Facebook e diz para
a namorada: – Viu como ela está me cantando? Olha o que vou responder...
Ele recebe uma conversinha mole de uma estranha
e logo entrega a cantada para a namorada.
Para que criar ciúme à toa? Transformar o ciúme
em paranoia?
Recusa e pronto. Não fala nada.
Fidelidade não se explica.
Fidelidade é invisível.
Fidelidade não é um favor.
Fidelidade não é um sacrifício.
Fidelidade é conviver com quem merece nossa
exclusividade.
Não fique fazendo propaganda, parece que não é
feliz assim.
Fidelidade é apenas uma forma de estar, não é
uma forma de se exibir.
(Fabrício Carpinejar)
Meu coração em tuas mãos
– Escute meu coração! – ela me pediu.
Achei bobagem. Concluí que era coisa de criança, que adultos não deviam
perder tempo ouvindo o coração.
Lembrava uma infantilidade, uma doçura extravagante.
Apesar de minha recusa, ela colocou minha palma esquerda sobre seu
peito.
Fingi interesse até que a sequência virou música.
Fazia muito que não ouvia o coração com as mãos.
A mão é o ouvido perfeito.
A mão é uma concha natural; o oceano nos dedos.
Naquela hora, eu capturei o animal acelerado, seu silêncio enervado, seu
desejo correndo para todas as veias da boca.
Espantei-me com a banalidade, a redescoberta do óbvio, como se estivesse
aprendendo a amarrar os cadarços depois de velho.
Eu entendia o que ela estava sentindo melhor do que se falasse. Eu via
que ela era real, e que ela era possível.
As palavras foram se tornando palpáveis. As frases cresciam em sentido.
É como um coro que desmancha a solidão do pensamento.
Eu me apavorei com o meu desconhecimento do gesto. Por que não
cumprimento as pessoas escutando seu coração?
Por que abandonei o hábito de pequeno? Por que reservei a mecânica ao
médico?
Por que não me permitia ser despudoradamente emocional?
Ouvir o coração é como acompanhar os passos num piso de madeira. A gente
identifica o familiar avançando pela casa, somos capazes de adivinhar o cômodo
em que se encontra.
Ouvir o coração é como ouvir um órgão numa igreja, não um piano.
Há uma diferença de fundo. Os tubos de metal e de madeira ressoam como
um segundo sino, em caixas de cinco andares.
Ecoa um planger épico, inevitável. O corpo já treme ao andar.
O coração é mesmo um altar, mas quem ainda escuta?
Ouve-se o batimento da criança no ventre, os pais se emocionam com os
primeiros sinais de vida de seus filhos, mas nos desacostumamos com o próprio
ritmo. Ninguém nos inspira ou exige sua consulta.
Esquecemos de conferir o beijo, o abraço e o toque registrados lá, na
linha cardíaca.
Com o coração dela em minhas mãos, compreendi qual o nosso medo. Quem
escuta o coração não machuca o outro. Será responsável pela fraqueza. Sofrerá
esperando o próximo suspiro do som. Estará consciente do intervalo de cada
batida. Tem noção do que é ferir, e como dói ser sozinho.
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